quinta-feira, 12 de maio de 2016

Italiana legítima

Eu jurava que quando conseguisse minha cidadania italiana vinha correndo contar pra vocês. 

Durante todo o processo que posso dizer que durou 8 anos (começando do dia que o Cadu, meu cunhas, com o sonho de morar em Londres conseguiu agendar uma data pra apresentarmos nossos documentos na Embaixada Italiana de Brasília - na época morávamos em Goiânia e o reconhecimento só pode ser feito na sua região) eu escrevia emails para um dia dizer a quem tivesse ânimo, energia e muita vontade de realizar este sonho - que é muito mais do que um direito - de ser reconhecido como parte da sua família.

Poderia listar em detalhes tudo que você precisa fazer. Como correr atrás da sua árvore genealógica e conseguir as certidões de nascimento, casamento e óbito desde o seu tataravô no hospital que ele nasceu, na igreja que ele casou, no cemitério onde foi enterrado, rever se cada letrinha dos documentos foram escritas corretamente, fazer uma prenota na embaixada que só abre vagas de datas às 19h de um dia específico por exatos 2 minutos e tentar por aproximadamente uns 7 meses pra conseguir se for muito persistente para ir até lá depois de mais 10 meses, ir no eresp legalizar seus documentos com um selo, levar para um tradutor juramentado passar pro italiano, e entrar numa fila (arquivar a documentação) por uns bons 12 anos até chegar a vez deles mandarem sua pasta para Itália, mas prefiro contar a minha experiência e você tirar suas próprias conclusões.

Foi em novembro, que exausta de não fazer nada e vendo que o acerto da minha demissão estava escorrendo pelo ralo a cada aluguel que eu pagava pra morar em São Paulo, resolvi ligar pra embaixada e perguntar quando eles poderiam me receber. Eu não estava disposta a fazer este agendamento de 17 meses só pra passar pela portaria, sendo que no site está claramente escrito que segunda e quarta são dias abertos para o público tirarem suas dúvidas. Mas como também não queria bater a cara na porta, liguei para a Caterina (senhora responsável pela cidadania diretamente no Brasil) e ela estava de ferias. Depois de 1 mês liguei novamente e ela tinha acabado de voltar. Então dia 18 de janeiro combinei com ela de me liberar por email (eu precisava de um papel pra poder entrar) para perguntar se o processo (meu e dos meus irmãos) já tinha ido pra Itália. Foi quando ela me contou que mudou a data do nosso arquivo e agora ele seria mandado pra Itália daqui 4 anos, se tudo corresse bem.

Aí, do nada, tive a ideia de perguntar: E SE EU TIRAR A CIDADANIA DIRETAMENTE NA ITALIA?

E ela respondeu: Aí só vai levar alguns dias...

Diante de pesquisas anteriores, relatos e grupos no face, fui vendo que estes dias são de 3 a 6 meses, mas quando ela me disse soou como uns quatro.

- Então eu vou. O que faço agora?
- Você tem que voltar pra sua casa e agendar uma data pra vir mostrar os documentos pro Roberto. Ele é o responsável pelo setor de legalização.
- Mas isto para ou atrapalha o processo dos meus irmãos? 
- Não, se você nos trouxer novos documentos com data atualizada de até 6 meses não preciso mexer nesta pasta e o processo continua correndo por aqui.
- E vai levar quantos dias pra eu fazer esta prenota e voltar aqui?
- Alguns meses.

Foi nessa hora que fiz cara de gatinho do Shrek.

- Mas eu já estou com todos documentos aqui. Será que não dava só pra ele ver se estão corretos?
- Como você é muito bonita, acho que ele vai querer te receber. (gente, não fiquem bravos com este elogio, foi o único momento descontraído de toda esta luta, então se ela me achou bonita mesmo ou estava com boa vontade não vem ao caso).

Roberto me recebeu na sua sala. Olhou todos os documentos e eram cópias não autenticadas (não valiam). Ele pediu pra eu voltar em 2 dias e conseguir apenas minhas certidões de nascimento e casamento atualizadas. Aconselhou que se eu fosse morar na cidade no meu avô o processo andaria bem mais rápido já que meu avô e meu pai estavam registrados lá.

Como a sorte estava do meu lado e, quem me conhece sabe que nada me estimula mais do que me achar sortuda, voltei pra Goiânia e fui ao cartório pegar minha certidão de casamento que ficou pronta em duas horas, liguei pra minha madrinha em Uberlândia e pedi a de nascimento, jurando que também ficaria pronta na mesma tarde. Mas eles pediram 5 dias pra entregar e mais 2 pra mandar por correio. Foi nesta hora que minha prima de Brasília, Juliana, me ligou. E contou uma coisa que eu nem imaginava. Assim que as certidões estivessem em minha mão eu precisaria contratar um despachante pra pegar o selo no Eresp (uns 3 dias) pra só depois levar pro tradutor juramentado (eles traduzem até a data do selo, por isso precisa seguir esta ordem) e todos os tradutores recomendados pela embaixada estavam de férias ou muito ocupados pra fazer tudo em 2 dias (pediram mais uma semana). Foi quando contei pra ela que tinha acabado de receber uma proposta de trabalho e estava no centro de Goiânia, num calor dos infernos, tendo que decidir se seguiria em frente com o plano e tentaria pedir mais uns dias pro Roberto (que já estava me fazendo o maior favor deste mundo e – detalhe – ele não falava uma palavra em português ou se voltaria pra São Paulo e continuaria com a mesma vida feliz de sempre.

Liguei pra Embaixada na manhã seguinte e expliquei pro Roberto (não sei como ele aceitou me atender) e ele disse que tudo bem adiar mais uns dias, mas ele estava saindo de ferias então eu só tinha uma semana.

Enquanto coloquei toda família pra correr, chorar e implorar nos cartórios, mandei tudo por sedex 10 pra Ju e ela foi pessoalmente levar os documentos pra Eresp (em meia hora) e pra um amigo traduzir (em 2 dias). Fui pra São Paulo enquanto isso fazer um freela. Por que afinal já tinha gasto 1500 reais só que com esta brincadeira. E na sexta cheguei de avião direto na embaixada pra pegar a legalização do Roberto que nada mais é do que 4 carimbos me autorizando pegar a cidadania direto na Itália.

Ele disse: - Pode comprar as passagens. Está tudo certo.

Mas antes quis procurar por minha família na Itália que eu ainda não conhecia e pouco tinham ouvido falar de mim. Quando meu pai esteve aqui com meu avô, ele tinha minha idade (34 anos), por isso recomendou que eu entrasse em contato com um primo dele o Vincenzo.

Fui atrás do contato dele com a tia Maria Celano, que mora no Rio de Janeiro, foi quando ela me disse que eu deveria falar era com o Giuseppe. Pois o Pino, como costumam chamá-lo, trabalha na Comune exatamente reconhecendo cidadanias há uns 30 anos.

Tá vendo a sorte aí de novo? Não poderia deixar passar.

Adicionei ele no facebook pois ficaria mais fácil nos comunicarmos através no Google Translate (só não sabia que esta ferramenta de tradução me pregaria altas peças). Sem querer abusar perguntei se ele poderia me ajudar e aproveitar pra perguntar sobre meus irmãos. Ele disse que um de cada vez. Bom, tive que respeitar. Ele não poderia fazer nada contra a lei. Nem eu queria. Mas achou que estaria ajudando me cadastrando na questura de Potenza como sua hóspede e assim que o vigile passasse me liberando pra viajar e decidir onde eu queria morar. Parecia uma excelente ideia. Mas já vou antecipando pra vocês: se já forem loucos o suficiente pra vir a Itália sem saber italiano e sem contratar uma assessoria (eu só soube de tantas informações porque minha prima pagou 450 euros – uns 2300 reais pela dela), pelo menos garanta que você tenha uma casa alugada no seu nome enquanto espera pelo processo. Porque daqui você não vai conseguir alugar nada. E sem comprovar residência você não é ninguém além de um sem teto.

Aí meu primo querido pediu pra avaliar os meus documentos (scaneei e mandei por email) e quando viu que eu só tinha os meus, não adiantou eu explicar que meu pai já tinha a cidadania. Ele não estava registrado lá no seu computador e era isso que contava. O Roberto já tinha viajado, sem previsão de volta, eu não tinha o contato direto dele, já tinha comprado a passagem pro dia 1 de março e estava frita. Tinha menos de 1 mês para começar tudooooo de novo. Agora com as certidões de nascimento e casamento do meu pai e a tal carta de não renúncia (NR) que não imaginava que só seria mandada quando eu já estivesse morando na Itália.

Tudo de novo. Tia Mara, Tio Naninho, Tio Claúdio, Vô Max, Tia Cibele, Juliana, Piero, Mamãe. Que angústia. Todo mundo ligando atrás de informações e dando um jeito desta viagem concretizar.

Pintei o apartamento. Encaixotei a mudança. Doei móveis, roupas. E quando já não sabia mais se estava precisando era de desapego ou descarrego, despedi de toda família e fui bater na porta da Embaixada (sem prenota, no dia que não é aberto ao público, e torcendo que o Roberto tivesse voltado dia 29 de fevereiro, mesmo sendo o último dia do mês, só porque dava numa segunda-feira e porque eu queria. Hahaha. Claro que não.

Passei pela portaria. Ufa. Poucos conseguem. E lá dentro disse que queria falar com o chefe geral máster mega plus de todos. Ele me recebeu, mostrei a passagem e ele disse: Vou falar com ele pessoalmente. Volte amanhã às 10h30 que vou tentar fazer que ele te atenda.

Voltei pra Goiânia. Peguei as malas. Peguei um ônibus e no dia 1 estava lá. O Roberto se comoveu pois tive que esperar 1 mês por ele e legalizou os documentos do meu pai. Só sei que dei um abraço tão forte nele que até então foi um dos momentos mais vitoriosos da minha vida.

Eu não conhecia a Itália. Não conhecia minha família. Não conhecia a minha força.

Chegamos em Roma. Joguei moeda na Fontana de Trevi. Seguimos pra Nápoles. Conheci minha prima Chiara, 24 anos, que fala inglês e fez às vezes da minha assessoria (seria impossível sem ela). Me levou pra Castelluccio Inferiore e ficou com a gente durante toda semana na casa dos pais dela que nos acolheram como filhos. Me emocionei ao conhecer a nonna Maria (irmã do meu vô Giovanni e igualzinha a ele). Manjiamos muita comida boa. Conheci as outras tias. Fui muito abraçada. Fizemos um filho. E quando o vigile passou (o meu passou em meia hora, pode levar até 60 dias de acordo com a lei) eu fui convidada a só voltar depois que a Alessandra Petroni (da embaixada de Brasília) mandasse a carta de não renúncia. O que ela fez o Giuseppe acreditar que seria em 15 dias, mas como ela tem até 90 dias pra mandar, levou 70). Isso porque ele ligava toda semana cobrando...

Nesses 2 meses de sem teto morei 1 mês com meu irmão e foi maravilhoso dividir o sofá cama com seu PUG Heinsenberg. Juro, Brighton é lindo e ele e o Charlie foram demais ao nos receber. 1 semana ficamos na casa da Sophia em Berlim. Ela também foi muito gentil, mas como estava trabalhando não conseguimos conhecer muito a cidade e também não ajudou por eu estar chorando desesperadamente todos os dias. E por fim, pedi pra minha anjinha da guarda, Ju, nos receber na casa dela em Serre di Rapolano, onde estamos há 3 semanas e se Deus quiser até 30 de maio pararemos de abusar da sua ótima boa vontade.

Mas por que você não alugou um apartamento? Deve estar se perguntando.

Porque ninguém aluga apartamento para você se:

a)     não for cidadão italiano
b)     não tiver 2 contratos de trabalho
c)     não tiver comprovação de renda ou 1 casa de garantia na Europa
d)     não pagar 12 meses adiantados

Entendeu? Fora que vim com uma expectativa de morar numa casa por 600 euros quando a realidade em Londres, Berlin, Amsterdam, Milão não sai por menos de 1000 euros. Fora o consumo de água, luz e aquecedor que dá mais uns 200 e a alimentação que não é tão barata assim (20 euros por dia pro casal que cozinha em casa). Não dá pra sair, visitar museu, achar que é turista. O euro abaixou mas continua 4,40 reais com taxas e IOF.

Então quando o meu primo disse: pode vir pra Castelluccio pegar sua identidade, nem sei o que senti. Fazia 8 anos, 2 meses e 10 dias da maior agonia da minha vida. Eu estava com um peso de 300 kilos nas costas. Eu já tinha rezado terço, pagado promessa, e eu sou espírita. Porém algo me dizia que ainda não tinha acabado.

Desta vez não tinha Chiara assessorando, os pais dela iam viajar então ficamos no único hotel da cidade, não tinha trem, ônibus, avião que chegasse lá a tempo do Giuseppe sair de ferias, então alugamos um carro e partimos pra 7 horas de viagem.

A terça, 10 de maio de 2016, ainda foi com emoção. Depois de pagar 10 pela identidade, 116 pelo passaporte, 100 pelo carro, 90 pelo combustível, 80 pelo pedágio, entendi que era pra ir a comune assinar os últimos papéis às 3h quando na verdade ele tinha marcado comigo pra 1h (e eu não tinha entendido por causa do meu excelente italiano). Eu estava lá só por causa disso e quando cheguei às 2h30 vi que a comune já estava fechada. Que desespero!!!!!!! Liguei pro Giuseppe pedi mil perdões e ele falou que reabriria às 6h da tarde pra mim. Foi exatamente nesta hora que fui reconhecida, batizada, abençoada como cidadã italiana.

Aí o próximo passo foi chorar por meia hora, entre soluços. E mensagens no whats up de felicitações.

No outro dia era só acordar às 5h da manhã e viajar por 2 horas até a Questura de Potenza pra pedir a permissão pro Alexandre trabalhar na Itália e morar comigo na Europa por 5 anos. Pra mim, é o documento mais importante, muito mais do que meu pedaço de papel. Estamos aqui pra isso. Pra ele trabalhar, se realizar profissionalmente e cuidar da nossa Júlia.

O Ufficio di Imigrazzione abre das 9h30 às 12h30. É sempre desorganizado e você tem que lutar por seu lugar na fila imaginária. Então quando consegui pedir a PERMESSO DI SOGGIORNO per motivi di famiglia pro meu marido, o oficial de polícia perguntou se eu tinha agendado pela internet. E é lógico que eu não tinha, pois não sabia que precisava mesmo tendo decorado o site deles de tanto pesquisar. Aí ele falou pra nós voltarmos dia 26 de maio (daqui 15 dias) com previsão de retornar mais uma vez dia 26 de junho (45 dias) para aí sim não ficar ilegal no país e poder procurar emprego.

Tentamos fazer por Siena (que é bem mais pertinho) mas só fazem na região que você possa comprovar residência. Então a grávida aqui que se vire com mais 4 viagens.

O passaporte foi só ir na portinha ao lado, colocar minhas digitais e esperar de 15 a 20 dias pra ser mandado por correio para Castelluccio.
Parece que foi tudo lindo, né? Mas olha o caso da minha prima e anjo da guarda. Ela fez tudo direitinho. Pesquisou por uns 2 anos. Planejou cada passo. Organizou a papelada com 6 meses de antecedência. Contratou um assessor caríssimo. Alugou sua casa pra ter uma renda e não ficar desamparada. Veio com o marido e 3 filhos. Olhou escola pros meninos. Alugou uma casa numa cidade vizinha. E o vigile dela levou 45 dias pra passar. Ela está aqui há 2 meses e só semana que vem sua assessoria pedirá a carta de não renúncia pra embaixada de Brasília. A Alessandra vai levar mais 90 dias pra mandar. Daí ela pedirá o passaporte dela e das crianças (inclusive o Pedrinho, um bebê de 1 ano que está fazendo greve de fome), que vai levar mais 1 mês pra chegar. E mais 45 a 60 dias pra chegar a permissão pro marido dela começar a procurar emprego. Você acha mesmo que é fácil???? Porque com o fulano de tal foi mais rápido, mais barato, mais simples.

Tudo bem. Não quero tirar sua esperança. Afinal, como eu escrevi no começo. Minha vontade era fazer de tudo pra você encarar esta aventura como um final de semana prolongado. Mas a verdade é que esta paisagem linda e verdinha de Toscana é relaxante nos primeiros dias, mas entediante quando você está literalmente preso a burocracia por mais de 6 meses.

Apenas pense bem.
Sei que meu avô está super orgulhoso de mim e é isto que me conforta. Mas não desejo isto pra ninguém, muito menos pros meus irmãos.












Um comentário:

  1. Puxa vida, prima!
    Que história!
    Mas fico feliz que tenha dado certo!
    Que venham outras histórias hehehe
    Bjim

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