segunda-feira, 12 de dezembro de 2016

Meu parto nada normal

Fui escovar os dentes (e me maquiar) e pensei: - Caramba, estou no hospital há 24 horas, mas se ainda consigo ser vaidosa, aqui vai longe. Por isso é melhor começar a contar minha experiência de parto normal antes que eu começa a esquecer alguns detalhes. Ontem reparei que perguntei a mesma coisa umas três vezes pro meu marido.

Vim fazer uma consulta na quarta, dia 30, e a obstetra me disse que como estava completando 40 semanas, tinha anemia, diabetes gestacional, 3 miomas, fiz cirurgia bariátrica era melhor ser internada e iniciar uma indução. Eu fiquei feliz da vida. Não iria fazer a cesariana que sempre imaginei mas tinha uma tarde pra resolver detalhes práticos como depilar, revisar a mala de maternidade, comprar um supositório (hahaha, a vida como ela é). 

Era dia 1 de dezembro. Sempre amei dias primeiros. Foi quando comecei a namorar o nego, depois nos casamos. Ou seja, motivo de comemoração. Nunca deixei passar. Algumas pessoas fazem uma revisão dos sonhos no ano novo eu costumo a fazer todo começo de mês. 

Então acordei às 5h12. Bebi um chá mate que minha mãe trouxe do Brasil. Esquentei um pão com queijo pra comer no caminho. Fomos de train. 1,20 euro. Transporte público eficiente. Fui observando a paisagem do caminho que já tinha feito tantas vezes mas agora com 4 graus negativos de temperatura tinha uma geleira nas folhas especial. Adoro quando sai aquela fumacinha da boca. 

Assim chegamos "quase" pontualmente às 8h no Hospital Toregalli. O Careggi era outro hospital que eu poderia ter escolhido, mas por causa da experiência das meninas da igreja que tiveram seus filhos recentemente, de uns 8 meses pra cá, e por o Toregalli agora se chamar Novo Ospedale San Giovanni di Dio, achei inspirador prestar mais uma homenagem ao meu avô e ao meu padrinho. 

Logo que cheguei fui fazer o traciato. As enfermeiras colocam 2 faixas na sua barriga pra medir os batimentos cardíacos do bebê. Com um botão em mãos você indica quando seu filho se move (no intervalo de 1 hora é ideal que ocorra 5 vezes). E enquanto isto elas verificam a pressão da mãe. 

A Giulia nunca se movimenta nestes exames. Aí as enfermeiras se preocupam, pedem pra eu ficar de pé, me mexer, deitar virada de lado, até que eu explico que ela puxou a mãe e não vê nenhum sentido de acordar se não for pra comer. Ou seja, meu exame sempre se estende porque tenho que comer durante o processo. Elas pedem pra ser um chocolate (sonho meu), sempre como pão de queijo ou esfirra que é o que o marido fez e tem na mochila.

Depois de terminado o traciato elas registram no computador o resultado dos últimos exames e te encaminham pro ginecologista. O doutor verifica o nível do liquido amniótico e se iniciou a dilatação. Estou há 3 semanas com dilatação de 1 dedo (não sei o que significa em centímetros mas tem que chegar a 10).

De lá a enfermeira me levou pro quarto que vou ficar (stanza 14, cama 141) e enquanto não era encaminhada para consulta com a obstetra aproveitei pra conhecer as outras gestantes que ficariam comigo. Somos 4 no total. Todas teriam filhas meninas. Uma fez cesariana mas a filha estava separada dela no ambulatório, outra está aqui há 2 semanas porque a gravidez ainda é de 32 semanas mas estava sentindo muitas dores e acharam melhor ela ficar, e a última terá gêmeos hoje a tarde. Estou louca pra ver a carinha de todas estas bonecas. Tem um bebê chorando no corredor sem parar há umas 20 horas então acredito que não será nenhum problema ter 5 bebêzinhas fofas no nosso quarto.

Às 11h me chamaram pra ver a obstetra. Ela poderia ter me dado 3 opções de indução mas como meu colo do útero ainda estava espesso preferiu o modo mais natural e lentoooooo. Disse que não era pra ficar ansiosa porque neste caso poderia levar de 2 a 3 dias pra nascer.

Aí voltei pro quarto e tinha que ficar deitada por 1 hora pro gel não escorrer. A partir daí começou a fazer efeito. Eu achei que aquelas contrações de 3 em 3 minutos durando 20 segundos cada era o auge da dor, mas nem imaginava o que ainda estava por me esperar.

Às 2h da tarde começou o horário das visitas. Finalmente chegou a renca pra saber das novidades. Meu pai não conseguia comer, só sentia vontade de vomitar. Meu marido estava com tontura e numa ansiedade sem tamanho. Como só um podia entrar no quarto, mamy linda se apossou da cadeira e ninguém a tirava de lá. Meu pai e o Alexandre ficaram no corredor, então sempre que ocorria um update eu ia lá pessoalmente contar.

Uma das vezes que fui, estava em pé em frente eles, e a bolsa rompeu. Um momento  mágico. Aquele líquido amniótico escorrendo pelas pernas num jato forte e constante. Eram 4h40 da tarde. Enquanto minha mãe (que derepente começou a falar italiano: la borsa é rota) chamava a enfermeira, o nego me dava apoio pra poder caminhar até algum lugar que eu pudesse colocar um absorvente. 

A enfermeira me parou e fez outro exame. Disse que agora as contrações iam ficar mais fortes. De 60 a 100% de dor. Minha média era 55. Mas ainda eram contrações na parte de baixo da barriga que significava que só o colo do útero estava ficando macio (antes ele tem a textura de um nariz e já estava como a de uma boca).

A noite não seguiu como eu pensava. As dores não me deixavam de 1 em 1 minuto mas não dilatei nada. Na manhã seguinte a obstetra estava fazendo visitas no quarto e me viu contorcendo de dor. Assim me chamou pra ser a primeiro na consulta.

Ela viu que apesar de ter rompido a bolsa há 18 horas e liquido amniótico estar normal eu só tinha dilatado mais um dedo. Pediu pra eu fazer outro traciato e neste eu mal conseguia me manter. Tive descolamento de placenta e taquicardia fetal. Liguei no whats up do nego e disse calmamente. São 10h30. Sei que as visitas começam  às 2h.
Mas você pode pegar o ônibus e vir calmamente pra cá.  Faço elas te deixarem entrar. Ele achou que eu estava com muitas dores e precisava de apoio mas eu estava na sala de parto sendo preparada pra um questionário de perguntas. Dentre elas: quando foi a última vez que sentiu ela mexer e minha resposta foi: ela não se mexe há muitas horas.

Então veio outra médica e falaram: sinto muito te dar esta noticia mas vai ter que assinar este termo pra fazermos uma cesarea. Sei que já está em trabalho de parto há 24 horas mas não podemos mais esperar. Eu disse: Graças a Deus.

Me sentei. Enfiaram uma agulha enorme na coluna e logo a anestesia peridural pegou. Eu sentia as 7 médicas me virando mas não adormeceu completamente. Era mais um calorzinho.

A obstretra Elizabetta com seu colar de perolas vermelhas, me perguntou se eu era modelo, qual o nome da minha filha e fez a ordem às outras: são 11h34. Sejam rápidas. 2 minutos depois eu já estava escutando o choro forte dela. Ela chorou e eu senti uma lágrima escorrendo no canto do meu olho. Levaram pra medir e pesar na pediatra. Enquanto isto só fiquei olhando pra luz do teto e agradecendo a Deus pela vida que me foi presenteada.

Assim que trouxeram ela pra eu conhecer, continuando o berreiro mais lindo que eu já tinha escutado, colocaram ela no peito que acalmou imediatamente e abriu os olhos mais negros e japoneses. Lembro que pensei: - não se parece com ninguém.

Passado 5 minutos levaram pro pai que ficou com ela no colo, duro, na mesma posição por meia hora. Depois deram banho e colocaram um look amarelinho (tanto que 3 pessoas se confundiram achando que era menino). 

Ela mamou o colostro do meu peito. 30 minutos em cada e foi conhecer os avós da parte de mãe. Eu vi a cena um pouco de longe, deitada na maca. Meus pais e o padrinho Matheus abraçando o Alexandre. Chorando de emoção e dizendo que nunca viram nada tão perfeitinho. (Eu não achei, pra que fique claro, mas amanhã deve desinchar bem. Espero). 

Foi uma tiração de foto, postagem, contar a novidade pra familia até a hora que o papai da Giulia foi embora às 22h30. E a mãe ficou, anestesiada, com sonda pra fazer xixi e soro no outro braço, sem poder levantar da cama, mas tentando por durante 7 horas fazer a filha parar de chorar, só revesando o peito. Tenho fé que uma hora o cansaço vence a gente e vamos dormir. Quem sabe daqui uns 30 anos por aí...

No segundo dia, tudo andava calmo. Saber que no outro dia estaríamos em casa era como um anestésico. Não que eu pudesse reclamar por já estar 1 dia sem comer, mas aquele caldo ralo in brodo da comida do hospital não era o suficiente quando se está mal acostumada com um chef particular.

Meu irmão, um dos padrinhos, veio de Brighton para vê-la. Eu estava felicissima por isto. Todo mundo sabe que ele é o amor da minha vida e também poderia entreter nossos pais com outros passeios até dar a hora da visita: das 1h às 6h.

Quando ele tinha acabado de tirar fotos lindissimas com ela e ido pro corredor esperar eu fazer minha bateria de exames que ia desde injeção de acido folico, outra de ferro, oxitocina, limpeza do corte da cirurgia, prelievo para novos exames, antiflamatórios, lavagem com balde e aplicação de supositório, chegou uma enfermeira pegando a Giulia da culla (ao lado da minha cama) e dizendo: - Estou levando sua filha. Ela pegou uma infecção grave por termos demorado muito tempo para fazer a cirurgia depois que a bolsa se rompeu. Se despeça dela porque vai ficar 5 dias na terapia intensiva recebendo antibiótico na veia e não poderá receber visitas.

Neste momento, o que eu não chorei quando ela nasceu, chorei ao ver minha filha sendo tirada de mim tão frágil e pequenina. Eu tinha acabado de ouvir um audio do Benjamin dizendo que estava bravo com todo mundo porque estava com ciúmes da Giulia. Muito fofoooo, tanta saudade que tinha me feito soluçar.

Mas não se compara ao susto que o Alexandre levou ao ver o berço da filha sair do quarto e sua mulher atrás chorando e curvada de dores, inclusive na alma.

Ela não poderia mais ver os avós até quinta. 1 semana depois de quando cheguei aqui. A não ser por meia hora através de um vidro, como um ser intocável.

Já eu seria chamada toda vez que ela chorasse pra amamentá-la e meu marido poderia ficar com ela das 11h às 22h.

A primeira bateria de exames foi terrivel. Furar os pezinhos, mãozinhas e braços pra colocar a sonda e vê-la ser ligada à aparelhos pra monitar a frequência cardíaca e a respiração. Engraçado que outro dia perguntei se furavam a orelha dela no hospital e perguntaram totalmente chocados se fazem isso com bebêzinhos no Brasil?????

Foram dias e noites longas e duras. Me dividir entre o segundo e o terceiro andar da maternidade. Fazer meus exames e acompanhar os dela.

Um bom exemplo do significado da maternidade foi ontem, às 6h da manhã, quando 4 médicos começaram a medir minha pressão, tirar 3 potinhos do meu sangue pra exame, dar antibiótico na veia, colocar supositório, fazer tomar comprimidos de ácido folico, ferro, fazer curativo no meu corte da cirurgia, dar injeção de oxitocina na bunda, chegaram 3 pessoas pra eu votar pra mudar ou não o País, e a diabetologista pra eu escolher o cardápio do almoço (que sempre foi minestrone ao brodo, ou seja macarrãozinho de criança com caldo knor de verdura mesmo que eu escolhesse pasta ao pomodoro) ao mesmo tempo ainda na cama. Derepente aparece uma enfermeira na porta: - corre pro segundo andar que sua filha está chorando. E você larga tudo parecendo o corcunda de notredam e ainda tem que subir escada porque o elevador não parava no andar.

Ela sempre pegou o peito direitinho. Aqui o verbo é chuchar. Chuchava a madrugada toda e pela manhã não queria saber de acordar.  Isto fez com que ela engordasse 200 gramas no primeiro dia, mas perdesse 150 no segundo. 3 doutoras vieram falar comigo em idiomas diferentes: italiano, inglês e espanhol. Achavam que eu não tinha entendido a necessidade de tirar o leite e deixar no refrigerador caso, pesando ela antes e depois de cada mamada, não tivesse absorvido 40 gramas de leite por vez. Sei que o colostro alimenta até mais do que o leite, mas o organismo só absorvia umas 16 gramas. Então passei a não dormir, não comer, não ir ao banheiro. Com a diferença que em casa eu teria ajuda. Aqui eu troco a fralda, aviso as enfermeiras se fez xixi ou coco, peso, amamento, peso, cortinado, tampar a luz do rosto, espera e vai.

Mas a verdade é que eu não queria correr o risco deles darem mamadeira pra ela e meu leite não descer ou ela não querer mais saber de sugar. É trabalhoso. Pensa que não.

No quarto dia saiu o leite. Veio jorrando. E mesmo estando em andares diferentes quando meu peito enche sei que ela quer mamar. Vou pingando. Isto fez com que regulassemos nossos horários a cada 2h.

E os dias seguiram assim até quarta, quando fomos liberadas pra voltar pra casa. Eu acordei às 5h da manhã, me maquiei e fiquei pronta pro médico me liberar, o que aconteceu ao meio dia. Depois foi só pegar alguns remédios na farmácia pra continuar o tratamento de antibiótico por mais 3 dias em casa. Mas a infecção praticamente tinha curado. 

Foi tão inesperado que ao chegarmos em casa nem meus pais estavam. Tinham ido conhecer o Jardim di Boboli. Então apresentamos o novo lar pra Giulia, esperamos a vovó Cáritas pra dar o primeiro banho e tudo parecia calmo demais quando a noite chegou. Giulia não estava adaptada. Nem a gente. Eu não precisava pular da cama, esperar elevador, correr de um andar pro outro, mas também não tinha as ferramentas certas pra trocar uma fralda, e ela se recusava a fechar os olhinhos. Foram 8 horas em claro, entre soluços, choros, cólicas, e nós tentando interpretar porquê ela resistia tanto descansar.

Hoje, 10 dias depois, estou com infecção nos grampos da cesariana. Isto mesmo, não fui costurada e sim grampeada. E eles estão cheios de pus. Como se a cada pequeno movimento fincassem mais na minha pele. Já os quilos, que tantas mulheres se preocupam em perder e eu, tão inchada, nem lembrei de pesar, perdi todos que ganhei na gestação  (9 quilos - meio a mais dos que cheguei aqui na Itália). 

Este foi meu parto. Um deles. Porque o que prevejo é que agora serão 1 por dia.